Foto Jack Anstey

Aprendizagem constrói futuro — qual futuro queremos?

Clara Bomfin Cecchini
4 min readMay 13, 2020

A urgência em construirmos uma visão expandida da educação, também no mundo corporativo

Quem já trabalhou comigo ou me ouviu falar mais do que 3 minutos sobre educação (hehe) sabe que uma das minhas maiores referências é o livro Cinco Mentes para o Futuro, do Howard Gardner. Ele me foi apresentado pela grande amiga Katia Gonçalves Mori, uma super especialista em educação. A Katia sempre me inspirou muito, por sua dedicação à aprendizagem significativa, que implica todos os atores na construção de um mundo mais solidário. Aprendi demais com ela a pensar sobre o valor do conhecimento — e do próprio processo de construí-lo — para criar novas, e melhores, realidades.

Eu comecei a minha carreira como atriz, depois atuei por um período no Terceiro Setor e então com políticas públicas de cultura, até chegar na educação. Quando entrei para o mundo corporativo, na área de aprendizagem, essa visão sempre me acompanhou: não existe aprendizagem neutra! Por mais técnico que seja determinado conhecimento, está sempre ligado a uma visão de mundo. Tecnologia também é assim. Mas tendemos a acreditar que tanto a educação quanto a tecnologia podem ser neutras e aplicadas sobre uma tela em branco — no caso, o ser humano — para fazê-lo mais eficiente para qualquer que seja a missão. Mas não é bem assim, e mesmo os projetos mais tecnicistas possuem uma intencionalidade.

No meu livro com o Alexandre Teixeira eu não poderia deixar de tratar desse tema. Essa visão ampliada de educação, como aquela que carrega os valores de uma determinada sociedade, é fácil de ser compreendida no mundo da educação formal — básica, e até mesmo superior. Mas como isso se encaixa na educação que é feita dentro das organizações?

Bem, foi o Howard Gardner, nesse livro apresentado pela Katia, que me ajudou a juntar as duas pontas. Gardner é psicólogo cognitivo e educacional, ligado à Universidade de Harvard, e um dos mais influentes de sua geração. Tendo ficado mundialmente conhecido pela Teoria das Inteligências Múltiplas, nesse seu livro posterior sobre as cinco mentes, ele diz ter

“arriscado ir mais longe (…) [neste livro] também me dedico a um empreendimento de valores: as mentes que descrevo também são aquelas que acredito que devamos desenvolver no futuro”

(Howard Gardner, Cinco Mentes para o Futuro, p. 11).

As cinco mentes representam os usos que fazemos das oito ou nove inteligências. Gardner diz passar da descrição para a prescrição e considera que as cinco mentes são essenciais para construir um futuro comum para a humanidade, assim como para sermos relevantes na nova configuração do mundo do trabalho. Segundo ele, algumas capacidades que eram até agora opcionais passam a ser exigidas, e elas estão de alguma forma contempladas nessas cinco mentes.

As três primeiras mentes — disciplinada, sintetizadora e criadora — referem-se a capacidades cognitivas. A essas somam-se outras duas: a respeitosa e a ética. A respeitosa observa e acolhe diferenças entre seres humanos e grupos humanos; a ética atua em nível mais abstrato, refletindo sobre a natureza do próprio trabalho e sobre as necessidades e desejos da sociedade em que se vive. Portanto, os objetivos de uma aprendizagem para o futuro não devem estar focados no nível individual ou no nível social. É preciso ter clareza de que, para sermos relevantes, precisamos associar as duas preocupações.

Um profissional só atinge a maestria quando desenvolve as 5 mentes. Logo, não podemos considerar um bom profissional aquele que age de forma desrespeitosa ou antiética. Mesmo que “entregue muito”.

O advento desta pandemia deixou ainda mais urgente olharmos para essa questão. Em um mundo de incerteza e insegurança extremas, precisamos poder confiar nos valores dos tomadores das decisões que nos afetam dentro de uma organização. Precisamos compreender que os princípios de uma empresa são mais do que belas palavras que enfeitam as paredes, tendo uma influência real sobre o COMO as pessoas trabalham e chegam aos resultados.

Tudo isso parece um papo de administração muito antigo, até empoeirado, mas é mais atual do que nunca. Se não são os espaços físicos que nos unem, o que o faz é esse campo abstrato e simbólico: precisamos percebê-lo como real.

Eu sou uma super entusiasta das novas tecnologias, adoro acompanhar o surgimento de metodologias e ferramentas educacionais cada vez mais surpreendentes (está cheio de exemplos no livro!). Mas acredito que é pouco para nós, profissionais de educação, ficarmos só neste plano de discussão. A obstinação pela personalização e o desenvolvimento de novas habilidades em ritmo cada vez mais acelerado ajudarão os profissionais em alguns aspectos. Mas a aprendizagem pode muito mais dentro de uma organização. E pode ter muito mais valor para as pessoas.

Como podemos implementar processos de criação e circulação de conhecimento que conectem os profissionais ao que está sendo pensado no mundo? Como fortalecemos uma cultura de aprendizagem colaborativa e diversa? Como afirmamos a ética como imprescindível em tudo o que se faz? Como inovamos considerando os benefícios para os acionistas, os clientes e o planeta?

Não vamos chegar em respostas certas, mas debates desse tipo também podem fazer parte do mundo da educação corporativa — além das melhores ferramentas e formatos para entregar conteúdo. Temos excelentes exemplos de projetos, organizações e profissionais já atuando nesse sentido. Espero poder me unir a esse coro e fortalecê-lo.

Em um momento em que toda a nossa sociedade está se repensando, a educação claramente tem um papel fundamental. E também a educação dentro das empresas! A aprendizagem dentro das organizações não é o “futuro”, é o presente. E o presente nos exige sermos mais respeitosos e éticos tanto no plano individual quanto no institucional.

A educação corporativa nunca deixará de atuar a favor dos resultados do negócio. O ponto é que o entendimento do que é resultado está se expandindo. Portanto, a visão sobre aprendizagem nas empresas precisa se expandir também.

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